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Tratam gripes? 7 perguntas e respostas sobre antibióticos

18 Nov 2023 - 08:00

Tratam gripes? 7 perguntas e respostas sobre antibióticos

A resistência aos antibióticos é um problema de saúde pública, que está a aumentar para níveis muito elevados em todo o mundo. É no sentido de sensibilizar profissionais de saúde e população em geral para a utilização correta dos antibióticos que se assinala, todos os anos, no dia 18 de novembro, o “Dia Europeu do Antibiótico”. 

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Apesar de os antibióticos serem medicamentos tomados e receitados há muito tempo, ainda persistem dúvidas sobre a forma correta de os tomar. Deve-se tomar um antibiótico até ao fim da prescrição? Não se pode beber álcool enquanto se toma um antibiótico? Estes fármacos cortam o efeito da pílula? 

Em esclarecimentos ao Viral, Rui Pinto, professor de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), respondem a 7 perguntas sobre a toma de antibióticos.

1 – Podemos parar de tomar um antibiótico quando nos sentimos melhor? 

Não. Os dois especialistas adiantam que o antibiótico deve ser tomado até ao fim da prescrição. Paulo Santos começa por explicar que os antibióticos são utilizados quando há “um intuito curativo”, em caso de doença aguda provocada por uma bactéria.

Portanto, dependendo do medicamento e da doença, “há um ciclo de tratamento” a cumprir que pode durar entre poucos dias e várias semanas. Por que razão não se pode interromper a toma antes do fim da prescrição? 

Como esclarece Rui Pinto, “os antibióticos funcionam por dois mecanismos de ação básicos genéricos”: “ou matam as bactérias” ou “impedem o seu crescimento”.

Contudo, deve-se ter em conta que “as bactérias são consideradas excelentes engenheiros genéticos”, porque, durante a administração do antibiótico, “conseguem identificá-lo” e modificar-se, de modo a tornarem-se “mais resistentes”.

Portanto, mesmo que a pessoa já se sinta melhor a partir de uma determinada altura, parar a toma do antibiótico antes do tempo prescrito pode permitir que as bactérias continuem no organismo

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“As que ficam criam mecanismos e podem desenvolver resistências àquele antibiótico”, esclarece o professor. “E se houver uma nova infeção com aquela estirpe, a pessoa toma o mesmo antibiótico e ele deixa de fazer efeito”, acrescenta. 

2 – Não se pode beber álcool enquanto se toma um antibiótico? 

Paulo Santos explica que, “tal como os medicamentos, o álcool também é metabolizado no fígado”. Ora, o álcool “tem um efeito tóxico direto no fígado” e, dependendo da quantidade ingerida, “pode interferir na capacidade do órgão metabolizar medicamentos e outras substâncias”.

Segundo Rui Pinto, sabe-se que “o álcool pode diminuir a eficácia de alguns antibióticos”, tais como a “doxiciclina” – que pertence à classe de antibióticos “tetraciclinas” – “usada, às vezes, no tratamento de algumas infeções sexualmente transmissíveis”.

Além disso, em “alguns antibióticos usados em estomatologia”, como a “eritromicina”, “o álcool também pode baixar a sua eficácia”. 

A grande questão é mesmo a “a quantidade”. Paulo Santos informa que “pequenas quantidades de álcool não terão um efeito significativo do ponto de vista clínico”.

No entanto, “quanto maior a quantidade de álcool” – ingerida a curto e longo prazo – maior a probabilidade de o álcool ter algum efeito na metabolização dos antibióticos.

Assim, não se sabendo bem que quantidade de álcool irá interferir na eficácia dos antibióticos, ambos os especialistas concordam que, durante a toma de um antibiótico, o consumo de álcool deve ser evitado.

3 – Os antibióticos cortam o efeito da pílula? 

Não está provado que todos os antibióticos diminuam ou cortem o efeito da pílula (ver aqui e aqui). No entanto, havendo essa possibilidade, os dois especialistas questionados pelo Viral defendem que, por uma questão de precaução, devem ser tomadas outras medidas.

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Aliás, esta é, por norma, uma questão discutida com o médico que prescreve o antibiótico. “Se a mulher faz um contracetivo oral e tem necessidade de fazer um antibiótico, é preferível usar um meio complementar, como o preservativo”, salienta Rui Pinto.

De que forma a toma de antibióticos pode interferir na eficácia da pílula? “Primeiro, pode haver interação química”, refere Paulo Santos. 

Se a “enzima onde estes dois medicamentos são metabolizados coincidir, pode haver uma concorrência no fígado, provocando uma interação”. Como clarifica o médico, “essa interação pode tirar o efeito, aumentar ou diminuí-lo”.

Além disso, “há a questão dos efeitos secundários”, destaca Paulo Santos. “Por exemplo, é relativamente comum que os antibióticos possam dar alterações no funcionamento do intestino, como diarreia”, aponta.

Se isso acontecer, “pode haver uma diminuição do tempo de absorção de outros medicamentos, nomeadamente o anticoncecional, daí poder haver uma redução da eficácia”, conclui o médico.

4 – Estes medicamentos tratam gripes e constipações? 

A resposta é não. Os dois especialistas explicam que os antibióticos servem para combater infeções bacterianas e as gripes e constipações são provocadas por vírus. Portanto, “a eficácia destes medicamentos contra infeções virais é nula ou muito reduzida”, frisa Rui Pinto.

Além disso, acrescenta Paulo Santos, no contexto de uma gripe ou constipação, “o vírus é autolimitado, ou seja, evolui espontaneamente para a cura”, desaparecendo em alguns dias.

Isto significa que são apenas necessárias “medidas de conforto”, “que permitem à pessoa passar melhor durante aqueles dias”. Se a pessoa está com febre, “baixa-se a temperatura; se está com dor, tira-se a dor;  se tem a expetoração, receita-se um descongestionante”, sustenta.

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5 – Tomar antibióticos pode causar problemas nos dentes? 

Segundo Paulo Santos e Rui Pinto, esta ideia surgiu devido ao efeito que “as tetraciclinas” (um grupo de antibióticos específico) têm nos dentes.

O especialista em Medicina Geral e Familiar explica que esta medicação “não provoca cárie dentária, mas pode causar manchas nos dentes, um amarelecimento, dando um aspeto sujo e doente aos dentes”.

Neste momento, refere o médico, “as tetraciclinas já não são tão usadas, têm indicações muito restritas” e “essa questão não se coloca nos outros antibióticos”. 

Aliás, salienta Rui Pinto, “as grávidas e os bebés não devem tomar tetraciclinas”. Isto porque estes antibióticos “têm tendência a ligar-se ao cálcio”. 

Por um lado, “se a grávida tomar, passa para o bebé e o bebé nasce já com essa coloração nos dentes”. Por outro lado, “se é dado aos bebés recém-nascidos, quando começam a desenvolver a dentição, aparecem as tais manchas”, esclarece o professor.

6 – Não se deve tomar antibióticos em jejum?

“Na maior parte dos antibióticos não há diferença em tomar ou não tomar com alimentos”, começa por adiantar Paulo Santos. 

Não obstante, “alguns medicamentos têm um ritual de toma que é fundamental cumprir”. Porquê? A forma como são tomados influencia “a capacidade de absorção” e “a própria interação com a acidez do estômago”, justifica o médico.

Rui Pinto dá dois exemplos.“Algumas cefalosporinas, que são um tipo de antibióticos que pertencem à mesma classe das penicilinas, por ambas apresentarem um mecanismo de ação semelhante, devem ser tomadas obrigatoriamente em jejum”. 

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Por outro lado, “a nitrofurantoína, muito utilizada para infeções urinárias não complicadas na mulher, deve ser administrada com alimentos”, refere.

Se um determinado antibiótico deve ou não ser tomado em jejum, isso deve ser indicado pelo médico ao doente, quando é feita a prescrição, ou pelo farmacêutico na altura da dispensa do medicamento.

“Se a pessoa já não se lembra, deve ler o folheto informativo, ou o Resumo das Caraterísticas do Medicamento (RCM), que dizem se deve tomá-lo em jejum ou com alimento”, aconselha Rui Pinto.

7 – O uso inadequado de antibióticos cria resistências a estes medicamentos? 

É verdade. Segundo Rui Pinto, “existem vários programas dentro da União Europeia e da Organização Mundial da Saúde que visam responder ao problema de saúde pública que é a resistência aos antibióticos”.

Apesar de tudo, na visão do especialista, “houve uma grande evolução nos últimos anos e as próprias Normas de Orientação Clínica (NOC) que a Direção-Geral de Saúde emitiu também ajudaram o próprio prescritor”.

Atualmente, há uma maior “sensibilização para aquilo que é a problemática dos antibióticos”. Rui Pinto admite que, antes, “quando havia suspeita de uma infeção por uma bactéria, prescrevia-se, muitas vezes, um antibiótico de largo espetro, que cobre uma gama muito alargada de bactérias”.

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Ora, fazer isto “pode contribuir para o desenvolvimento de resistências a estes antibióticos e depois deixa de haver ferramentas farmacológicas para combater infeções por uma determinada bactéria”, sustenta o professor. 

Por esse motivo, “hoje em dia, deve existir a prescrição de um antibiótico que melhor se adeque à bactéria em concreto”, acrescenta.

Outra prática que pode levar à resistência a antibióticos é a autoprescrição. Paulo Santos recorda que os doentes, com frequência, “guardam um ou dois comprimidos para reutilização futura” e, às vezes, “as farmácias vão vendendo medicação sem prescrição médica”, aponta.

Noutro plano, existe ainda uma questão que, na perspetiva de Paulo Santos, tem muita relevância. “O grande problema da utilização excessiva dos antibióticos está na agropecuária e no conjunto de antibióticos utilizados como desinfetantes, tanto nas plantas, como nos animais” (ver aqui e aqui).

Estes antibióticos são utilizados, até certo ponto, “como protetores da saúde dos animais, mas a realidade é que depois acabam por entrar no circuito alimentar e têm um impacto muito grande nas resistências antibióticas no ser humano”, conclui o médico.

18 Nov 2023 - 08:00

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